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Lei aprovada nos EUA ataca a soberania chinesa em Hong Kong

Na noite do dia 20, os EUA lançaram mais um ataque contra o direito internacional,
os princípios basilares da Carta das Nações, a soberania e a verdade.
Com aprovação do Senado, no dia 19, e da Câmara, no dia 20, o Congresso dos
Estados Unidos enviou à sanção de Donald Trump uma “Lei de Direitos Humanos e
Democracia de Hong Kong”. Se o presidente não der ouvidos nem às vozes
moderadas dos EUA, nem à dura resposta de Pequim e, de fato, sancionar essa lei,
haverá mais um elemento a complicar os já difíceis entendimentos quanto à guerra
comercial em curso.
Sem nenhum pudor, sem qualquer nota explicativa, a mesma Washington que apoia a
barbárie golpista na Bolívia levanta a bandeira dos direitos humanos e da democracia
em Hong Kong. Quando cai a qualidade da hipocrisia, é hora de começar a falar a
verdade. Essa lei se soma a uma série de atos hostis contra a China com o único
objetivo de conter a sua ascensão econômica e, sobretudo, seu avanço no domínio da
indústria de alta tecnologia.
A partir de um olhar mais apurado, é possível verificar interesses além da retórica “da
democracia e dos direitos humanos”, que aliás não parece ser uma preocupação
estadunidense, haja vista os apoios às barbáries que são executadas mundo afora pelos
próprios e seus aliados (Israel, Arábia Saudita etc.). Hong Kong é um dos maiores
centros financeiros mundiais, faz fronteira terrestre com Shenzhen, cidade sede da
primeira Zona Econômica Especial, importante centro tecnológico e considerado o
“Vale do Silício” da China. Ademais, está localizada no litoral do Mar do Sul da
China, mar por onde circula a maior parte do comércio e da energia na Ásia e que
vem sendo locus de tensionamentos constantes, estimulado pelos EUA, com objetivo
claro de criar litígios entre os países do Sudeste Asiático e influenciar na balança de
poder na região, de maneira a tentar evitar uma maior influência chinesa.
Desde 1997, quando Hong Kong foi reincorporada à China após 155 anos de
ocupação britânica, encerrando um período de colonialismo assassino que ainda deixa
marcas, os EUA deram status econômico especial à ilha, outorgando benefícios
tarifários para as exportações. A lei que o Congresso entregou a Trump determina que
Washington avaliará, anualmente, se mantém ou não esse status que dão a Hong
Kong. Além disso, traz normas rígidas para a concessão de vistos e prevê a cassação
do visto e outras sanções a pessoas que os EUA definam, subjetivamente, como
causadores de danos aos direitos humanos e à democracia em Hong Kong.
Ora, o status especial estabelecido para as relações comerciais não se deveu à
generosidade norte-americana, mas sim, como costuma ser, na economia: havia então,
como há hoje, fortes interesses empresariais dos Estados Unidos em Hong Kong.
Mais de 1300 empresas dos EUA atuam na ilha, muitas das quais tendo ali inclusive
sua sede asiática. Não à toa, a Câmara Americana de Comércio local já externou suas
preocupações com os efeitos desse projeto.
E eles serão graves. Com essa lei, os EUA dizem explicitamente não reconhecer a
política chinesa de “um país, dois sistemas” e se arrogam no direito de editar normas
sobre questões internas de outros países. Trata-se de um grave precedente. Nós,
latino-americanos, conhecemos bem as consequências da Emenda Platt, pela qual os
EUA estavam autorizados a interferir em Cuba sempre que considerasse pertinente.
Quando um Estado reivindica jurisdição sobre o território de outro, é todo o sistema
internacional que está ameaçado.
Marco Rubio, senador republicano, foi transparente no reconhecimento da violação da
soberania chinesa. Segundo ele, com essa lei os EUA dizem aos manifestantes de
Hong Kong que não eles estarão passivos enquanto Pequim “atacar sua a autonomia”.
No lado do Partido Democrata, o senador Bob Menendez twittou uma velha e
desgastada retórica: “os EUA são o farol de luz e solidariedade para os milhões que
anseiam por libertação”. As palavras “autonomia” e “libertação” dirigidas a uma
província de um Estado soberano são reveladoras dos verdadeiros interesses de
Washington.
Geng Shuang, porta-voz do Ministério de Relações Exteriores da China, disse, no dia
20, que Pequim entende essa lei como uma agressão e interferência indevida nos
assuntos internos da China, frisando tratar-se de uma violação do direito internacional
e das normas básicas que regem as relações internacionais. Afinal, ao contrário do que
os congressistas dos EUA querem fazer entender, Hong Kong é parte da China e seus
assuntos internos são assuntos internos da China.
As manifestações que vem acontecendo tem sido fortemente estimuladas de fora para
dentro, atendendo a anseios que visam atingir a coesão do projeto nacional chinês a
fim de enfraquecer a China diante das disputas comerciais, tecnológicas e geopolíticas
em geral. A razão pela qual as manifestações começaram já não existe e houve um
esvaziamento da pauta, ficando cada vez mais claro que trata-se de uma Guerra
Híbrida, com enredo muito parecido com as chamadas “revoluções coloridas”.
A lei norte-americana é mais um elemento externo com o objetivo de
desestabilização. Ao contrário de contribuir para uma solução, ela traz mais elementos
de radicalidade e instabilidade.
O verdadeiro interesse de Washington é o prolongamento do desgaste em Hong Kong e das consequências nocivas dos distúrbios na ilha onde está a terceira maior bolsa de valores do planeta e por onde passa uma grande parte da economia asiática. Bloqueá-la, em um contexto de guerra comercial, é claramente favorável a interesses norte-americanos e nada tem a ver com “os diretos humanos e a democracia”.
Alexandre Figueiredo
André Coutinho
Ticiana Alvares
Do Instituto Sul Global